30 de setembro de 2001

Luzes de Klieg e magnólias

James McPherson


The Reel Civil War
366 págs., US$ 27,50
de Bruce Chadwick. Ed. Knopf (Estados Unidos).

"Para aprender história, nada melhor do que um bom filme de Hollywood." Assim dizia o guia ao estudo escolar do filme "Shenandoah" (1965), de Andrew McLaglen, sobre a Guerra Civil. Embora o filme relatasse a história de uma família no vale do Shenandoah, no Estado de Virgínia, foi rodado no Oregon, para ultraje de muitos habitantes da Virgínia. Quando questionado sobre o local escolhido, o diretor declarou: "Não existe lugar mais parecido com a Virgínia do que o Oregon".

Para Bruce Chadwick, esse comentário é uma metáfora que explica o grau de precisão da maioria dos 800 filmes sobre a época da Guerra Civil feitos desde 1903: eles têm tanta semelhança com a realidade histórica quanto o Oregon tem com a Virgínia. Mais de 600 desses filmes datam da era do cinema mudo, principalmente os anos de 1908-16, em torno das comemorações do 50º aniversário da guerra. Com poucas exceções, eram curtas feitos em um ou dois rolos. A grande exceção foi "O Nascimento de uma Nação" (1915), um enorme avanço técnico e artístico, que confirmou a fama de D.W. Griffith como um dos mais importantes diretores de todos os tempos.
Em "The Reel Civil War", Chadwick, que leciona história e cinema na Universidade Rutgers, analisa em profundidade o tratamento dado por Hollywood à Guerra Civil. Ele apresenta argumentos convincentes para retratar "O Nascimento de uma Nação" como o exemplo paradigmático de como o cinema perpetuou mitos sobre o conflito, pelo menos até a década de 1960 -mostrando um Sul feito de luar e magnólias, mansões com pilares brancos, lindas mulheres, homens gentis e escravos felizes, mundo esse que foi destruído por uma guerra na qual os brancos do Sul perderam tudo exceto sua honra, mas lutaram heroicamente para superar a espoliação posterior por políticos oportunistas vindos do Norte e seus ignorantes peões negros. Uma geração mais tarde, "E o Vento Levou" se tornaria o segundo grande exemplo da versão romantizada do Sul criada por Hollywood.
A maioria dos filmes sobre a Guerra Civil, nos diz Chadwick, representou o Sul como o lado oprimido e injustiçado, fadado à derrota diante do contingente e dos recursos maiores do Norte industrializado, mas lutando com honra contra sua derrota. Em muitos casos o lado dos confederados é visto como vítima, deixando subentendido que o Norte foi o agressor. Quase nunca se menciona a realidade histórica -que foram os confederados que iniciaram a guerra, ao disparar contra Fort Sumter.
O tema principal de muitos desses filmes é a reconciliação entre brancos do Norte e do Sul após a guerra, reconciliação essa frequentemente selada por um casamento (no caso de "O Nascimento de uma Nação", dois casamentos) entre noivo e noiva que estavam em lados opostos durante a guerra. Ou, de maneira condizente com o tema da "guerra entre irmãos" subjacente a muitos desses filmes, são dois irmãos (ou, ainda, pai e filho) que se reconciliam e voltam a fazer parte de uma só família, grande e feliz.
Esses filmes mostram os dois lados lutando corajosamente pelo que acreditavam ser certo. O fato de que a Confederação tenha combatido pela escravidão e a destruição dos Estados Unidos como país unido não pode ser mencionado, já que isso atrapalharia a reconciliação.
Quando aparecem escravos nesses filmes, eles ou são crioulos despreocupados e confiantes na sorte ou amas-de-leite obesas. Enquanto isso, os escravos libertos são retratados como selvagens agressivos ou parvos idiotas. "O Nascimento de uma Nação" foi o pior, nesse aspecto. O retrato que fez da Ku Klux Klan como um agrupamento de cavaleiros brancos que salvou o Sul das bestas negras inspirou a fundação da segunda Klan, uma força poderosa a favor da intolerância na década de 1920.
"O Nascimento de uma Nação" foi um dos maiores sucessos de bilheteria de todos os tempos, tendo sido visto por 200 milhões de pessoas nos Estados Unidos e no exterior, entre 1915 e 1946. Chadwick exagera muito pouco quando o descreve como "um filme abertamente racista que caluniou os negros americanos de maneira pública e notória, ajudando a criar uma divisão racial que perduraria por gerações".
Além disso, diz ele, "as impressões digitais de "O Nascimento de uma Nação" estão presentes por toda a parte em "E o Vento Levou'". Uma colegial de Atlanta assistiu ao filme de Griffith uma dúzia de vezes e encenou sua própria peça amadora baseada nele; o nome dela era Margaret Mitchell. O relato fascinante que Chadwick faz de como o livro de Mitchell virou filme mostra que a maioria das cenas sobre uma Ku Klux Klan nobre e negros libertos malévolos foram cortadas pelo produtor, David O. Selznick.
Os capítulos finais do livro, sobre as décadas passadas desde "E o Vento Levou", tendem a perder um pouco do foco. Programas de televisão e minisséries recebem tanta atenção quanto filmes -em alguns casos, até mais. Mesmo o musical da Broadway "The Civil War", de 1999, ganha espaço maior do que um filme legítimo sobre a Guerra Civil como "Sublime Tentação" ("Friendly Persuasion", 1956), que Chadwick descreve como "um dos melhores filmes da época". Outros filmes feitos no pós-Segunda Guerra, como "The Horse Soldiers", são discutidos em poucas linhas. Um dos melhores, "Glória de um Covarde" ("Red Badge of Courage", 1951), merece apenas dois parágrafos, enquanto "Raízes" ("Roots"), que não foi nem filme nem algo que tratasse em primeiro lugar da Guerra Civil, ganha um capítulo inteiro. Certamente, ''Roots'' ajudou a derrubar o mito vitimizado do Sul, e Chadwick sugere que ele pavimentou o caminho para ''Glory'', que recebe tratamento extensivo. Suspeita-se, no entanto, que "Glória" teria sido criada mesmo que o fenômeno "Raízes" nunca tivesse ocorrido.

Chadwick também permitiu que sua tese sobre o viés pró-sul dos filmes da Guerra Civil o levasse a algumas distorções próprias. O romance de Michael Shaara "The Killer Angels", no qual o filme "Gettysburg" foi baseado, não foi "escrito do ponto de vista do Sul". E a famosa cena de Atlanta queimando em "E o Vento Levou...'' foi o resultado de os confederados atearem fogo a tudo de valor militar quando evacuaram a cidade, não uma consequência do incêndio criminoso ianque - um erro que Chadwick compartilha com talvez 99 em cada 100 espectadores. Ainda assim, o leitor não deve deixar que esses e alguns outros erros menores ou o trocadilho ruim do título do livro diminuam as virtudes genuínas desse livro esclarecedor.
James M. McPherson é professor de história na Universidade Princeton e autor de "Battle Cry of Freedom - The Civil War Era" (ed. Ballantine).

17 de setembro de 2001

O fim da sociedade aberta?

Terror na América - Frances Stonor Saunders sobre como a CIA tem a ganhar com a sua própria mudança

Frances Stonor Saunders

New Statesman

O ataque foi inesperado, brutalmente rápido, e "surpreendeu-nos como uma gigantesca bola de fogo dissonante na noite de nossa falsa segurança". Assim escreveu o diplomata americano David Bruce ao relembrar o ataque a Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941. Sua memória medonha foi revivida nesta semana, quando as torres do World Trade Center explodiram em chamas.

A comparação feita por comentadores entre os dois eventos alcançou um impacto imediato e óbvio: ambas as agressões foram de tal magnitude que ficaram gravadas na consciência nacional e sacudiram o país de sua inocência cultural (na América, a inocência cultural pode ser perdida, logo recuperada e depois perdida de novo).

Mas Pearl Harbor tinha outra lição surpreende a ser conferida. Apenas alguns meses antes do ataque aéreo japonês, o presidente Roosevelt havia se queixado de que "os informes dispersos que chegavam à sua mesa eram irremediavelmente confusos". Pearl Harbor iria fazer com que os custos desta confusão ficassem dolorosamente evidentes.

Durante as duas décadas anteriores de isolamento, os recursos da América para coletar e analisar informações sobre os governos e os exércitos de outros países haviam diminuído. A "inteligência", como tal, estava em mãos de departamentos militares que contavam com seus próprios e estreitos campos de interesses. Dentro do Serviço Exterior do Departamento de Estado (State Department Foreign Service) os diplomatas haviam retornado a seu estilo habitual, conversar com os ministros das Relações Exteriores e outros embaixadores para obter informações.

Uma consequência direta de Pearl Harbor foi a criação de una agência central de inteligência. William "Will Bill" Donovan foi o arquiteto e diretor do chamado Escritório de Estudos Estratégicos (OSS, Office of Strategic Services). Donovan destacou que a primeira preocupação da América deveria ser a defesa contra inimigos estrangeiros. O mandato, declarou seu vice (e futuro diretor da CIA) Allen Dulles, era "limpar o mundo de bandidos".

Em tempos de guerra, o Escritório de Serviços Estratégicos teve um bom desempenho, e no final de 1944, William Donovan, a pedido de Roosevelt, apresentou um memorando secreto que definia a criação de um serviço de inteligência permanente. O informe foi vazado para a imprensa pelo incansável inimigo da OSS, o diretor do FBI, Edgar J. Hoover. Sua tática foi bem sucedida. Seguiu-se um alvoroço no Congresso, e a Casa Branca ordenou que todo o assunto fosse postergado. Uma semana depois, o presidente morreu. Seu sucessor, Harry Truman, não queria fazer parte de uma Gestapo "em tempos de paz", e emitiu uma ordem de dissolução do OSS.

Depois de uma intensa campanha de William Donovan, Truman finalmente cedeu e criou o Grupo Central de Inteligência (Central Intelligence Group) em 22 de janeiro de 1946. Como o próprio nome sugere, "inteligencia" seria a função básica da agência. A Divisão de Inteligência era, e ainda é, responsável por recolher, analisar e avaliar a informação procedente de todas as fontes, assim como por elaborar relatórios de inteligência sobre qualquer país, pessoa ou situação para o presidente e para o Conselho de Segurança Nacional, o principal grupo consultivo do presidente sobre política exterior e de defesa. Toda a informação - militar, política, econômica, científica ou industrial - é grão para o moinho desta divisão. É organizado por seções geográficas servidas por especialistas residentes de quase todas as profissões e disciplinas.

Mas que inteligência neste super campus produziu ao longo dos anos? Em junho de 1950, as forças comunistas do Norte invadiram a Coréia do Sul. AA CIA não conseguiu adquirir qualquer aviso prévio desta agressão. Mais recentemente, ela não conseguiu alertar sobre o sequestro e destruição do voo 103 da Pan Am, ou os ataques a embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia. Talvez tenha estado ocupada demais instalando uma sucessão de regimes militares repressores liderados por neonazistas (Grécia, 1949), monarquistas ultraconservadores (Irã, 1953), ditadores com esquadrões da morte (Guatemala, 1954) ou pro-falangistas (Líbano, 1959), ao mesmo tempo que também apoiava decididamente regimes racistas tais como o Governo da África do Sul (recentes revelações demonstram que foi a CIA a primeira que entregou Nelson Mandela à policia sul-africana para que o encarcerasse). Além disso, e infringindo seu próprio estatuto, que proíbe a atividade em solo doméstico, espionou e assediou dezenas de milhares de cidadãos americanos.

Mergulhada por denúncias sucessivas de seus fracassos espetaculares, e desorientado pelo fim da guerra fria para cuja luta inicialmente havia sido criada - e cujo desenlace também não conseguiu prever -, a CIA tem lutado para manter sua credibilidade no Congresso. "Como Dorothy Parker e as coisas que ela disse, a CIA obtêm reconhecimento ou acusações tanto pelo que faz como por muitas coisas que nem sequer pensou em fazer", um agente da CIA reclamou uma vez. Pelo que deixou de pensar, agora certamente cabeças vão rolar nos mais altos níveis do incompetente serviço de inteligência da América (e isso inclui o ciumento irmão mais velho da CIA, o FBI)

Perguntado durante uma entrevista do Pentágono, na terça à tarde, se o Governo tinha qualquer ideia de que esse tipo de ataque pudesse contra alvos americano pudesse ocorrer, Donald Rumsfeld, secretário de defesa dos EUA, respondeu laconicamente: "Não discutimos questões de inteligência". Exatamente. "Sigilo", escreveu Malcolm Muggeridge em O Bosque Infernal "é tão essencial à inteligência como parâmetros e incenso para a missa..., e deve ser mantido a toda custa, independentemente se serve ou não para algo". Os civis americanos pagaram um preço alto pelo secreto que custeiam com seus salários. Civis americanos pagaram um preço muito pesado para o sigilo financiada por seus cheques de pagamento. Se as persianas estão caindo sobre a sociedade aberta, é melhor que compense.

Frances Stonor Saunders é autora de Quem pagou a conta? A CIA na guerra fria da cultura (Record, R$ 79,00)

12 de setembro de 2001

Medo e repugnância na América

Hunter S. Thompson



Foi logo após o amanhecer em Woody Creek, Colorado, quando o primeiro avião atingiu o World Trade Center em Nova York na terça-feira de manhã e, como de costume, eu estava escrevendo sobre esportes. Mas não por muito tempo. O futebol parecia de repente irrelevante, em comparação com as cenas de destruição e devastação total saindo de Nova York na TV.

Até a ESPN transmitia notícias de guerra. Foi o pior desastre da história dos Estados Unidos, incluindo Pearl Harbor, o terremoto de San Francisco e provavelmente a Batalha de Antietam em 1862, quando 23.000 foram abatidos em um dia.

A batalha do World Trade Center durou cerca de 99 minutos e custou 20.000 vidas em duas horas (de acordo com estimativas não oficiais a partir da meia-noite de terça-feira). Os números finais, incluindo os do supostamente inexpugnável Pentágono, do outro lado do rio Potomac, vindos de Washington, provavelmente serão maiores. Qualquer coisa que mata 300 bombeiros treinados em duas horas é um desastre de ordem mundial.

E não foi mesmo Bombas que causou este enorme dano. Nenhum míssil nuclear foi lançado de qualquer solo estrangeiro, nenhum bombardeiro inimigo voou sobre Nova York e Washington para provocar a morte de inocentes americanos. Não. Foram quatro aviões comerciais.

Eles foram os primeiros vôos do dia da American e United Airlines, pilotados por cidadãos qualificados e leais aos EUA, e não havia nada de suspeito sobre eles quando eles decolaram de Newark, NJ, e Dulles em DC e Logan em Boston em vôos rotineiros de cross-country para a Costa Oeste com tanques de combustível totalmente cheios - que em breve explodiriam com o impacto e destruiriam completamente as mundialmente famosas Torres Gêmeas do World Trade Center de Manhattan. Estrondo! Estrondo! Bem desse jeito.

As torres se foram agora, reduzidas a escombros sangrentos, junto com todas as esperanças de Paz em Nosso Tempo, nos Estados Unidos ou em qualquer outro país. Não se engane: estamos em guerra agora - com alguém - e ficaremos em guerra com esse inimigo misterioso pelo resto de nossas vidas.

Será uma Guerra Religiosa, uma espécie de Jihad Cristã, alimentado pelo ódio religioso e liderado por fanáticos impiedosos de ambos os lados. Será guerrilha em uma escala global, sem linhas de frente e sem inimigo identificável. Osama bin Laden pode ser um primitivo "testa de ferro" - ou mesmo estar morto, pelo que sabemos -, mas quem jogou esses aviões a jato All-American carregados com combustível All-American nas Torres Gêmeas e no Pentágono fez isso com frieza e precisão arrepiante. O segundo foi uma bala certeira. Diretamente no meio do arranha-céu.

Nada - mesmo o sistema de defesa de mísseis "Star Wars", de US $ 350 bilhões, de George Bush - poderia ter evitado o ataque de terça-feira, e não custou quase nada. Menos de 20 soldados suicidas desarmados de algum país aparentemente primitivo em algum lugar do outro lado do mundo derrubaram o World Trade Center e metade do Pentágono com três ataques rápidos e sem custo em um dia. A eficiência era aterrorizante.

Vamos punir alguém por este ataque, mas quem ou o que será explodido por causa disso é difícil de dizer. Talvez o Afeganistão, talvez o Paquistão ou o Iraque, ou possivelmente todos os três ao mesmo tempo. Quem sabe? Nem mesmo os Generais, no que resta do Pentágono ou dos jornais de Nova York que pedem a guerra, parecem saber quem o fez ou onde procurá-los.

Esta vai ser uma guerra muito cara, e a vitória não é garantida - para ninguém, e certamente não para qualquer um tão confundido quanto George W. Bush. Tudo o que ele sabe é que seu pai começou a guerra há muito tempo, e que ele, o atrevido filho-presidente, foi escolhido pelo Destino e pela indústria global de petróleo para terminá-la agora. Ele declarará uma Emergência de Segurança Nacional e reprimirá Duro a Todos, não importa onde eles vivam ou por quê. Se os culpados não levantarem as mãos e confessarem, ele e os Generais o farão pela força.

Boa sorte. Ele está em um trabalho profundamente difícil - armado como ele é com nenhuma inteligência militar credível, sem testemunhas e apenas o fantasma de Bin Laden a culpar pela tragédia.

Está bem. São 24 horas mais tarde agora, e não estamos recebendo muita informação sobre os Cinco Ws desta coisa.

Os números do Pentágono são desconcertantes, como se a Censura Militar já tivesse sido imposta aos meios de comunicação. É ominoso. A única notícia na TV vem de vítimas em prantos e especuladores ignorantes.

A venda está colocada. Línguas Soltas Afundam Navios. Não diga nada que possa dar ajuda ao Inimigo.

Sobre o autor

Dr. Hunter S. Thompson's books include Hell's Angels, Fear and Loathing in Las Vegas, Fear and Loathing on the Campaign Trail '72, The Proud Highway, Better Than Sex and The Rum Diary. His new book, Fear and Loathing in America, has just been released. A regular contributor to various national and international publications, Thompson now lives in a fortified compound near Aspen, Colo. His column, "Hey, Rube," appears each Monday on Page 2.

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